
Michel Franco (Nova Ordem) sempre foi um cineasta de extremos — amado e odiado com a mesma intensidade. Desde Depois de Lúcia (2012), seu retrato implacável do bullying, o diretor mexicano construiu uma reputação de provocar o espectador com narrativas duras e moralmente ambíguas. Mais de uma década depois, porém, Sonhos, seu novo filme, revela um autor domesticado. A antiga crueldade calculada dá lugar a um niilismo de vitrine, e o desconforto que antes pulsava em seus projetos agora parece ensaiado e vazio.
A escolha de Jessica Chastain (A Grande Jogada), estrela oscarizada capaz de transformar qualquer projeto em evento, é o trunfo mais evidente de Sonhos — e o que justifica esse lançamento em circuito. É possível que nessa parceria esteja o desejo da atriz em mergulhar em um território moralmente instável e mais desafiador, mas o que se encontra é pouco mais do que um eco do Michel Franco de outrora. O diretor promete comentar as tensões entre amor, classe e poder, mas se limita a um melodrama superficial e apático.
A trama segue Fernando (Isaac Hernández), bailarino mexicano que tenta retornar ilegalmente aos Estados Unidos para reencontrar Jennifer (Chastain), socialite e filantropa com quem teve um caso. O prólogo promissor sugere um comentário contemporâneo sobre imigração e desigualdade. No entanto, o reencontro do casal rapidamente transforma a história em um estudo previsível sobre dominação e culpa — e é aqui que o desequilíbrio entre os protagonistas se evidencia. Hernández, consagrado no balé, demonstra não ter a intensidade dramática necessária para sustentar a tensão emocional da narrativa. Vale citar que sequer suas cenas de dança são bem aproveitadas pela câmera de Franco.
Chastain o engole em cena. A atriz carrega o filme com presença e elegância, oferecendo uma performance potente, mas que o roteiro não acompanha. Desfilando figurinos em apresentação digna de Grace Kelly em Ladrão de Casaca, ela confere alguma nobreza ao vazio. Sua entrega, porém, apenas ressalta o contraste entre o luxo das imagens e a pobreza de ideias. Em vez de revelar as fissuras de seus personagens, Franco se acomoda em uma encenação limpa, controlada, sem espaço para o imprevisto: tudo gira em torno desse romance difícil de ser comprado.
A ambiguidade moral que um dia foi a marca de seu cinema agora soa automática e morna. O olhar neutro sobre a relação tóxica dos protagonistas não provoca reflexão, mas indiferença. Franco se prende demais a esse romance proibido e, ainda assim, pouco tira dele. Aliás, essa parece ser a única grande questão dessa história cheia de arestas que poderiam e deveriam interessar mais ao roteiro. E quando o diretor recorre a uma cena de estupro filmada com distanciamento, o gesto se torna sintoma de esgotamento. A violência, aqui, não significa nada — apenas reafirma um vazio fantasiado de profundidade.
Em suma, Sonhos é um melodrama contido que termina deixando um gosto amargo não pelo que provoca, mas pelo que evita. Franco parece filmar por inércia, aprisionado em uma fórmula que já não o desafia — e sequer mexe conosco. Se um dia sua crueldade serviu para desnudar o humano, chocar plateias e causar desconforto, agora serve apenas para confirmar seu declínio — um filme elegante, sim, mas incapaz de fazer sentir o que se espera dele.
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