
No dia 22 de outubro de 1968, os Beatles lançaram seu nono álbum de estúdio, o disco duplo The Beatles. Devido a sua capa branca e plana, o trabalho ficou conhecido por fãs simplesmente como The White Album (ou O Álbum Branco). O projeto era intensamente contrastante em relação aos dois últimos lançamentos completos da banda, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band e Magical Mystery Tour, com músicas mais diversificadas e mais carregadas de bateria e solos de guitarra.
Por mais sonoramente pesadas que algumas das canções do álbum fossem, nenhum dos integrantes da banda britânica poderia adivinhar que uma delas fosse estar ligada a uma série de assassinatos macabros nos EUA.
Os Crimes
Em 9 de agosto de 1969, a casa do cineasta Roman Polanski foi invadida pela Família Mason, um culto formado em meados de dos anos 1960 na Califórnia. A invasão resultou no assassinato violento da atriz Sharon Tate (então no oitavo mês de gestação), esposa do diretor, e de outras quatro pessoas. O episódio foi retratado no último ato de Era Uma Vez… em Hollywood (2019), filme de Quentin Tarantino.
A seita fez mais quatro vítimas na madrugada seguinte, antes de serem pegos pela polícia. Os membros do culto obedeciam às ordens de Charles Manson, um homem que acreditava ter sido o único a captar as mensagens secretas na música “Helter Skelter”, sexta faixa do lado três do álbum homônimo dos Beatles.
“Helter Skelter”
A música foi criada pela banda após uma crítica do jornalista musical Chris Welch na revista Melody Maker sobre “I Can See for Miles“. A música do The Who foi considerada inovadora e recebeu elogios infinitos, com Welch afirmando que era o “rock n’ roll mais alto e rouco, a coisa mais sórdida que já tinham feito”.
A música não estourou, mas foi o suficiente para que Paul McCartney achasse que estava na hora de inventar um rock mais pesado no repertório da banda. Sua intenção era simplesmente fazer barulho, com o volume dos instrumentos no talo e os vocais mais gritantes possíveis. No final da faixa, o ouvinte escuta um Ringo Starr cansado dizer: “Eu tenho bolhas nos meus dedos!”, após tocar bateria loucamente e machucar as mãos. Liricamente também não é uma canção de significados profundos, com Paul narrando as aventuras com uma amante.
Para Manson, a música falava sobre uma “guerra racial” eminente, e utilizou o lançamento para explicar aos seus seguidores que os crimes eram necessários, afirmando que a banda estava dando um sinal.
A opinião de George Harrison
O guitarrista dos Beatles deixou claro no livro The Beatles Anthology (via Showbiz CheatSheet) que detestava qualquer vínculo com Manson, mesmo reconhecendo que a banda tinha absolutamente nenhuma responsabilidade pelos atos hediondos cometidos pelo culto.
Harrison foi enfático ao descrever o contexto da época no livro: “Todo mundo estava entrando na onda dos Beatles. A polícia, os promotores, os prefeitos — e assassinos também. Os Beatles eram o assunto do momento e eram a principal coisa sobre a qual se escrevia no mundo, então todo mundo se prendia a nós, fosse nossa culpa ou não. Era perturbador estar associado a algo tão sórdido quanto Charles Manson.”
Além da inocência dos artistas de Liverpool nos crimes, uma questão estética era especialmente frustrante para Harrison. “Outra coisa que achei ofensiva foi que Manson de repente representava a imagem de cabelo comprido, barba e bigode, além de ser um assassino”, desabafou Harrison na publicação. “Até aquele momento, o cabelo comprido e a barba eram apenas sobre não cortar o cabelo e não fazer a barba — uma questão de ser apenas desleixado ou algo assim.”
A declaração pode soar estranha, mas revela uma preocupação legítima: Manson havia sequestrado toda uma estética contracultural que representava paz, amor e liberdade, transformando-a em símbolo de violência e loucura. Os Beatles, que ajudaram a popularizar o visual de cabelos longos como expressão de rebeldia pacífica, viram sua imagem ser manchada pela associação com um assassino em massa que adotava a mesma aparência.

A Banda
Todos os membros da banda já comentaram sobre o quão abalados ficaram com a conexão. Paul McCartney reconheceu no mesmo livro que as pessoas sempre inventaram teorias e inventaram significados para suas músicas, mas nunca de forma tão deturpada. “Depois de todas aquelas pequenas interpretações, finalmente veio essa interpretação horrível de tudo”, lamentou. “Tudo deu errado naquele ponto, mas tinha nada a ver conosco. O que você pode fazer?”
O baterista Ringo Starr, que conhecia Sharon Tate, e descreveu o impacto devastador do crime em suas declarações para The Beatles Anthology: “Foi perturbador. Quero dizer, eu conhecia Roman Polanski e Sharon Tate, e — meu Deus! — foi uma época difícil. Isso parou todo mundo porque de repente toda essa violência surgiu no meio de todo esse amor, paz e psicodelia. Foi bem miserável, na verdade.”
O baterista revelou que o caso gerou uma onda de insegurança em toda a cidade de Los Angeles: “Não só nós, não apenas os roqueiros, mas todos em Los Angeles sentiram: ‘Oh, Deus, pode acontecer com qualquer um.’ Graças a Deus pegaram o desgraçado.”
John Lennon foi ainda mais direto ao rejeitar qualquer responsabilidade, também em declarações registradas no livro de 2000. “Toda aquela coisa do Manson foi construída em torno da música do George sobre porcos e da música do Paul sobre um parque de diversões inglês”, disse, referindo-se a “Piggies” e “Helter Skelter“. “Não tem nada a ver com nada, e muito menos comigo.”
Lennon comparou Manson a outros admiradores dos Beatles que levavam interpretações longe demais: “Ele é maluco, é como qualquer outro fã dos Beatles que lê misticismo nas coisas. Quer dizer, costumávamos rir colocando isso, aquilo ou aquilo outro, de forma descontraída. Algum intelectual nos lia, alguma juventude simbólica queria aquilo, mas também levávamos a sério algumas partes do papel. Mas, não sei, o que ‘Helter Skelter‘ tem a ver com esfaquear alguém?”
Anthology 4
O livro The Beatles Anthology ganhou uma edição comemorativa de 25 anos em 2025, lançada no dia 14 de outubro. A série de 1995 Anthology receberá sua nova versão no final do mês. A nova edição, que estará disponível para streaming no Disney+ a partir de 26 de novembro, conta com um episódio inédito, imagens nunca vistas dos Beatles e os episódios originais remasterizados. A música também foi expandida com o novo álbum Anthology 4, que será lançado em 21 de novembro de 2025.
O álbum inclui versões nunca ouvidas de clássicos como “In My Life”, “Nowhere Man”, “If I Fell” e “I’ve Just Seen a Face”. Também há um ensaio inédito para a transmissão da BBC de “All You Need Is Love”. O segundo single lançado de Anthology 4 foi uma versão de “Helter Skelter“, “Helter Skelter (Second Version – Take 17)”, que estreou em 23º lugar no iTunes Top Songs EUA no início de setembro.
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