
Nascido em Salvador e filho de uma professora de literatura, Diogo Moncorvo — o Baco Exu do Blues — carrega uma herança cultural que explica tanto sua lírica afiada quanto sua voracidade musical. Desde sua estreia em álbuns no ano de 2017, o rapper construiu uma obra pautada pela vulnerabilidade: seus versos dissecam a afetividade do homem negro, a sexualidade, a fé e os dilemas da saúde mental.
Até então, sua discografia seguia uma identidade sonora coesa, foram poucos os projetos que saiam de uma linearidade musical. Mas, em Hasos, a chave vira. O artista apresenta 18 faixas que, embora costuradas por uma narrativa visual única, exploram uma sonoridade distinta em cada canção.
Segundo o artista durante entrevista à Rolling Stone Brasil, Hasos foi feito, assim como todos os seus outros trabalhos, com muita liberdade. Desta vez, porém, através de uma premissa de buscar o sofrimento, o objetivo é tocar as pessoas intimamente nessa esfera:
“Pode ser um interlúdio ou uma faixa, mas ela vai parar e falar assim: ‘Hum, isso daqui foi muito para mim. Eu preciso revisitar isso daqui na minha vida agora. Eu preciso parar para conversar com alguém sobre isso, buscar uma terapia, escrever no caderno. Preciso falar comigo, fazer alguma coisa sobre essa dor.’”
Durante a conversa, Baco explicou que os interlúdios são essenciais para “oferecer uma solução ao tratar de trauma”’. O artista reconhece o risco emocional do projeto: “A gente está indo para lugares que, dependendo de onde acessa na pessoa, pode ser um lugar perigoso. Isso traz a responsabilidade de dar uma solução”.
Para ele, essa “solução” se materializa na metáfora do álbum como o terapeuta. “Deixar claro que o disco é o terapeuta, porque você vê que muda os pacientes, mas o terapeuta é sempre o mesmo.” Portanto, se o ouvinte for tocado pela obra, o próprio álbum o incentiva a buscar terapia, transformando a arte em um chamado direto à saúde mental.
Ambientação e narrativa
O primeiro pilar de Hasos é a história. E como isso se materializa? Além de cada faixa possuir um gênero musical específico — como a fusão entre hip hop e MPB —, o artista se debruçou completamente na criação de um fio condutor, criando intencionalmente o conceito do álbum.
Para alcançar esse objetivo, Baco explica que usou os “quatro mestres de narrativa”: Jorge Amado, Ariano Suassuna, Glauber Rocha e Rubem Alves. “Eles me ensinaram a trazer a pessoa para os lugares onde eu queria”, detalha.
Sua influência vai além do conceito: “Se você olhar com atenção, irá ver que tem algumas frases deles jogadas pelo disco inteiro. [Há] um caminho muito específico sobre esses quatro”, afirma Baco, destacando a técnica de Jorge Amado.
“Eu replico dele a criação de ambientes. Quando eu falo sobre criar a ambientação perfeita, fui muito mirando esse lugar. Eu acho que, dentro da literatura, ele é o cara que faz melhor a ambientação de espaço antes de contar uma história.”
A presença de Baco, no entanto, é sentida em todas as faixas de Hasos. A imersão no sofrimento é literal: mesmo ao abordar histórias que não aconteceram diretamente com ele, o rapper precisou entender a dor para transformá-la em arte.
O grande desafio, contudo, foi equilibrar a confissão íntima com a universalidade. O projeto nasceu para transformar o relato pessoal em algo que tocasse pessoas de diferentes recortes sociais em seus traumas, sendo o próprio Baco o agente dessa conexão.
Ele se enxerga como um artista que busca tocar as pessoas, e essa missão o desvia da preocupação com expectativas externas, mantendo a autenticidade como bússola criativa.
Um pequeno spoiler desse “Processo Terapêutico”
Baco detalha um pouco como são as músicas presentes em Hasos. A faixa “Gladiadores de Areia” é o primeiro exemplo:
“Tem uma parada em “Gladiadores de Areia” que é muito massa, que é o porquê ela vira um jazz do nada. Você tá numa parada que é guitarra, bateria e um canto de orixá ali, e do nada vira um jazz meio John Coltrane e é justamente sobre isso, sobre confusão. Eu precisava trazer a pessoa para um lugar de estado mental de uma pessoa que tá começando um processo.”, conta.
O rapper explica que a mudança para o jazz caótico é uma forma de materializar o início do tratamento:
“Eu precisava deixar claro que nós estávamos iniciando um processo terapêutico. Então, quando você entra no processo, o que você tem? A confusão, a maluquice… é muita coisa no mesmo espaço, e é intencional fazer muita coisa no mesmo espaço, entendeu?”
Se “Gladiadores de Areia” é a confusão, a faixa “Pequeno Príncipe” é o resumo do artista. Baco confessa um carinho especial pela canção, pois ela “vai para esse lugar de resultado e estado de feridas. Você vê que ele tem uma força, mas é claramente a força de uma pessoa quebrada.”
Para ele, a música é uma síntese filosófica: “É uma mistura, eu brinco com a mistura de ‘Pequeno Príncipe’ com o ‘Príncipe de Maquiavel’, se juntasse os dois livros em uma pessoa, seria essa música.”
Baco ainda revela a conexão explícita de três faixas com a obra de Saint-Exupéry, dando um conselho direto ao ouvinte:
“Acho que vai demorar um pouco para as pessoas entenderem isso, mas é um conselho: escuta as três músicas e dá uma lida no livro. Você ouve o Interlúdio, ouve ‘Raiva da Morte’, ouve ‘Pequeno Príncipe’ e ouve ‘Que eu Sofra’. Depois disso, você lê o Pequeno Príncipe.”
A dualidade, tema recorrente em sua carreira, aparece como um conflito de autodefesa e autossabotagem em “Fugindo do Espelho”:
“Vai muito no lugar de autodefesa, se ligou? De um lugar onde eu estou tendo autorreflexão comigo mesmo… É sabe aquele momento de autossabotagem que você se sente não merecedor das coisas? Você tá só tipo assim, foda-se, eu não mereço e é isso.”
O “outro Baco” que surge na canção representa o mecanismo de defesa, ele está “tentando mentir para ele mesmo, ele tá tentando se reafirmar, que é a questão do cara que tá machucado, tá inseguro e ele precisa acreditar que não é aquilo ali que ele tá sentindo, se liga?”
“Acaba sendo duas faces da mesma moeda: a pessoa que se autossabota, ela se autoafirma também, se você for parar para pensar.”, continua.
A jornada por Hasos, portanto, não se encerra na última faixa. Baco Exu do Blues entrega uma obra que usa a confusão sonora e as referências literárias para mimetizar o caos e a complexidade do tratamento psicológico.
A mensagem final do rapper é um incentivo: o álbum é o início do seu processo, mas a cura é sua responsabilidade. O novo trabalho de Baco Exu do Blues está disponível em todas as plataformas digitais.
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