Se existe uma coisa que o cinema nos permite, é nos fazer sonhar de olhos abertos. A Grande Viagem da Sua Vida, de Kogonada (After Yang), tenta exatamente isso: nos transportar para uma narrativa em que portas mágicas se abrem e memórias, fantasias e desejos se entrelaçam, colocando Colin Farrell (Pinguim) e Margot Robbie (Barbie) como dois estranhos, que se encontram em um casamento e embarcam em uma viagem pelos momentos mais marcantes de suas vidas. É uma proposta que remete ao lirismo de Wong Kar-wai (Amor à Flor da Pele) e ao onirismo de Michel Gondry (Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças) — cinema que lembra a sensação de infinitas possibilidades antes que o cinismo da vida adulta nos alcance.
O diretor mantém sua marca registrada: enquadramentos simétricos, composições precisas e uma paleta de cores que remete ao estilo visual de Wes Anderson (O Esquema Fenício) e Stanley Kubrick (De Olhos Bem Fechados) — aquém dos dois cineastas, é claro. Ele também volta a temas que lhe interessam. Em Columbus (2017), Kogonada explorava a arquitetura como reflexo das relações humanas; em After Yang (2021), investigava o luto e a tecnologia como mediadores do afeto. Aqui, a conexão entre pessoas segue ao centro, agora filtrada pelo tempo e pela fantasia.
Apesar do charme e da força individual de Farrell e Robbie em cena, a química entre eles nunca se concretiza. Seus dramas funcionam isoladamente; seus conflitos, embora tratados pelo mesmo tema, não se completam, e quando a narrativa exige que se unam, simplesmente não encaixam. A fotografia luminosa e a trilha delicada de Joe Hisaishi tentam preencher esse distanciamento, mas não conseguem dar às atuações um vínculo convincente. O roteiro hesita entre o poético e o didático em uma melancolia que remete a Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças.
Mesmo aquém de suas possibilidades, o filme tem valor: insiste no sonho romântico, oferecendo um tipo de amor quase musical, mesmo em tempos em que o sentimento é muitas vezes retratado pela dura realidade de um mundo capitalista, como em Amores Materialistas. Diante disso, A Grande Viagem da Sua Vida funciona como acalento: um lembrete de que ainda é possível acreditar no amor, mesmo que ele não convença plenamente na tela. No fim, Kogonada entrega um filme visualmente encantador e narrativamente irregular, mas com coragem rara em meio ao cinismo contemporâneo.
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