
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos principais eventos de cinema do Brasil e da América Latina, encerrou oficialmente nesta quarta-feira, 5 de novembro, após duas semanas em cartaz e mais seis dias de repescagem. No 49º ano do evento, a Rolling Stone Brasil conferiu 33 filmes no total, com ótimos destaques nacionais entre eles. Confira a seguir 8 filmes brasileiros da Mostra de SP, eleitos por Angelo Cordeiro, repórter de cinema do site, que você precisa manter no radar:
1. Ato Noturno
Sinopse:
Ato Noturno acompanha o caso em sigilo entre um ator, Matias (interpretado pelo estreante Gabriel Faryas) e um político, Rafael (Cirillo Luna, Reis), ambos em ascensão, que descobrem um fetiche por sexo em lugares públicos. No entanto, quanto mais se aproximam de seus objetivos, mais a prática se torna perigosa, colocando tudo o que sempre sonharam em risco.
Breve Comentário:
Vendido como um thriller erótico, Ato Noturno poderia ser bom. Com protagonistas ridiculamente atraentes, cenas de sexo bem coreografadas e realmente excitantes, e uma trama crível e bem desenvolvida, é um filme fácil de agradar. Mas Ato Noturno não é só bom; ele é excelente.
Escrito e dirigido pela dupla Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, responsáveis por Tinta Bruta, Ato Noturno, que chamou atenção ao integrar a programação da mostra Panorama na 75ª edição do Festival de Berlim, dobra de tamanho quando escolhe não se conformar e caminhar pelo seguro — algo que nem combinaria com a ousadia de sua proposta.
Quando o espectador acha que está confortável e sabe como a história irá se desenrolar, a partir de um previsível ponto de ruptura, o longa toma novos e empolgantes rumos, que se estendem até o seu último momento, resultando em um final catártico para a história de Matias e Rafael. Texto por Henrique Nascimento, editor de cinema da Rolling Stone Brasil.
2. Morte e Vida Madalena
Sinopse:
Morte e Vida Madalena conta a história de Madalena (Noá Bonoba), uma produtora de cinema tendo que lidar com a morte recente do pai, sua gravidez de 8 meses e a produção de uma ficção científica B onde tudo parece dar errado.
Breve comentário:
Guto Parente (Estranho Caminho) encontra comédia e humanidade em cada percalço: na equipe desorganizada, no abandono do diretor, nos problemas que se acumulam no set. Esse bom humor é o que sustenta o filme — um riso que brota da tensão e da persistência, celebrando o fazer cinema independente a partir de uma luta após a outra: conseguir financiamento, improvisar uma arma para uma cena, lidar com uma greve inesperada ou com os caprichos de uma equipe exausta e desmotivada. Tudo parece prestes a desabar, mas é justamente dessa precariedade que Morte e Vida Madalena extrai sua vitalidade — como na sequência em animação em que Madalena confessa o que a levou a fazer cinema. Parente transforma o caos e o sonho em energia, e a repetição do fracasso em resistência, uma forma de reafirmar que o cinema continua possível, mesmo quando tudo conspira contra ele. Leia a crítica completa clicando aqui.
3. A Natureza das Coisas Invisíveis
Sinopse:
A Natureza das Coisas Invisíveis traz Glória (Laura Brandão), de 10 anos, que passa as férias no hospital onde sua mãe trabalha como enfermeira. Lá ela conhece Sofia (Serena), uma menina que está convencida de que a piora na saúde da bisavó é causada pela internação no hospital. Unidas pelo desejo de sair dali, as crianças encontram conforto na companhia uma da outra. Quando a partida se torna inevitável, as meninas e suas mães seguem para um refúgio no interior de Goiás para passar os últimos dias de um verão inesquecível.
Breve comentário:
A morte se apresenta como parte da vida, e as meninas aprendem a lidar com ela de maneira natural, refletindo o processo de amadurecimento precoce que a infância, em certas circunstâncias, exige. Dessa forma, o filme se destaca pela forma delicada com que lida com seus temas contemporâneos, como identidade de gênero e rituais religiosos, que surgem de maneira orgânica, permitindo que o espectador compreenda a complexidade da vida sem perder a pureza do olhar infantil. Leia a crítica completa clicando aqui.
4. Virtuosas
Sinopse:
Virtuosas mostra um retiro VIP para mulheres em busca de sua melhor versão que se transforma em uma jornada absurda e perigosa.
Breve comentário:
É natural que filmes que abordam e satirizam a ascensão do evangelismo no Brasil, como Medusa, Divino Amor, Raquel 1:1, entre outros, venham ganhando cada vez mais espaço no cinema recente — reflexo de um país em que religião e política se confundem com crescente intensidade. Mas chega um momento em que apenas a caricatura já não basta, e é preciso tratar o tema com a seriedade e o incômodo que ele exige. Em 2025, Petra Costa fez isso em Apocalipse nos Trópicos, seu documentário mais direto sobre fé e poder.
Agora, Cíntia Domit Bittar segue por caminho paralelo, mas dentro do cinema de gênero: Virtuosas transforma o moralismo religioso em matéria de horror psicológico, examinando a devoção feminina sob o prisma do medo e da manipulação. O mérito de seu filme está em detectar a sedução das ideias ultraconservadoras e retratá-lo com um assombro que faz jus à sua sofisticação ideológica.
Virtuosas observa o universo dessas esposas tradicionais (recatadas e do lar) que rejeitam o feminismo com um olhar clínico e perturbador, revelando como a promessa de pureza e submissão se converte em instrumento de controle e violência simbólica. Bittar constrói essa crítica com uma estética elegante, onde cada personagem representa uma faceta de um país em transe religioso. Ao final, Virtuosas não é apenas um exercício de gênero eficaz, mas um retrato incômodo do Brasil contemporâneo que assusta menos pela ficção e mais pelo reconhecimento.
5. Labirinto dos Garotos Perdidos
Sinopse:
Em Labirinto dos Garotos Perdidos, um garoto do interior se perde na madrugada da cidade grande, passando por uma série de encontros sexuais progressivamente bizarros, enquanto um assassino espreita pelas sombras da metrópole.
Breve comentário:
Em Labirinto dos Garotos Perdidos, Matheus Marchetti se firma como um dos cineastas mais inventivos e autorais do cinema brasileiro recente. Seu novo filme carrega ecos das referências visuais que o formaram — do giallo ao musical, passando por essa vibe de fábula e conto de fadas — tudo filtrado por um olhar muito próprio de autor. Marchetti consegue transformar essas influências em linguagem e assinatura de forma genuína e natural, realizando um cinema de gênero e queer que o cinema brasileiro deveria conhecer mais e se orgulhar.
Fiel ao seu gosto pelo onírico, ele arquiteta essa fábula de descoberta sexual e identidade, onde morte e sexo caminham lado a lado, guiando o protagonista nesse labirinto à la Depois de Horas do Scorsese com as cores de Suspiria, entre encontros, corpos, gozo, pepino e sangue. É um cinema livre muito preocupado no poder da imagem, dos próprios corpos e no que eles representam na tela e também para aqueles atores. É corpo político, praticamente um manifesto nesse sentido. Muito vibrante, sensorial e humano.
6. O Filho de Mil Homens
Sinopse:
O Filho de Mil Homens, primeira adaptação do livro do escritor Valter Hugo Mãe, acompanha Crisóstomo (Rodrigo Santoro), pescador solitário que tem o sonho de ter um filho. Sua vida muda quando ele encontra Camilo (Miguel Martines), um menino órfão que decide acolher. Em uma tentativa de fugir de sua própria dor, Isaura (Rebeca Jamir) cruza o caminho dos dois, e, em seguida, Antonino (Johnny Massaro), um jovem incompreendido, também se conecta com eles. Juntos, os quatro aprendem o significado de família e o propósito de compartilhar a vida.
Breve comentário:
O filme pulsa com ternura na maneira como retrata esses homens e mulheres solitários, que buscam amor e pertencimento em um espaço que, paradoxalmente, tende mais a isolar do que acolher. A premissa da família que se escolhe revela que é possível superar aquela na qual se nasce. No entanto, se em certos trechos a poesia sustenta a narrativa com força suficiente, em outros, seria necessário um aprofundamento maior nas relações e nos conflitos internos dos personagens para que o drama atingisse sua plenitude — o que é de se esperar de uma adaptação em uma obra tão profunda. Leia a crítica completa clicando aqui.
7. Cyclone
Sinopse:
São Paulo, 1919. Desafiando todas as regras, uma jovem operária e dramaturga conquista uma cobiçada bolsa para estudar teatro em Paris, mas logo descobre que o maior obstáculo para realizar seu sonho é ter nascido em um mundo onde as mulheres nem sequer são donas do próprio corpo.
Breve comentário:
Em Cyclone, a diretora Flavia Castro coloca a protagonista no centro desse gesto político de retratar uma mulher que ousa reivindicar sua própria identidade numa época em que as mulheres ainda precisavam de autorização do pai ou do marido para viajar. Leia a crítica completa clicando aqui.
8. Papagaios
Sinopse:
Papagaios conta a história de Tunico (Gero Camilo), o mais famoso “Papagaio de Pirata” do Rio de Janeiro que está sempre perseguindo repórteres para aparecer na TV. Após um grave acidente, ele conhece Beto (Ruan Aguiar), um jovem misterioso que se torna seu aprendiz. Este encontro revelará a face oculta da busca pela fama a qualquer custo, em um Brasil com mais de 70 milhões de televisores ligados todos os dias.
Breve comentário:
E você, pelo que vai ser lembrado? Essa é a pergunta que move Papagaios, de Douglas Soares — um filme estranho, no bom sentido, e profundamente atmosférico. A trama acompanha Tunico (Gero Camilo), um “papagaio de pirata” profissional que vive para aparecer na televisão, e seu improvável aprendiz, Beto (Ruan Aguiar), jovem misterioso que parece enxergar na fama uma forma de redenção ou desaparecimento. O que começa como uma sátira da obsessão por visibilidade vai se transformando, aos poucos, em algo mais inquietante e até sombrio. Soares constrói um suspense que prende não por reviravoltas, mas pela dúvida constante: Para onde essa história está rumando? Papagaios não é um filme de grandes rompantes, mas de atmosfera. Tudo nele é envolto em uma névoa ameaçadora que nunca se dissipa. A câmera observa aqueles personagens mais do que explica suas ações e motivações, e o mistério cresce a cada gesto e atitude. Em suma, este é um filme encantado com sua própria estranheza e nesse retrato da solidão e do vazio que se escondem atrás das câmeras.
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